3 Meses de Eduardo Paes


Realizamos no dia xx um excelente debate com a participação de três representantes dos movimentos sociais: Ludinha (MNLM), Marcelão (MTD) e Tobias (Núcleo Socialista de Campo Grande). Além de avaliar o andamento do governo Eduardo Paes e analisar a conjuntura, iniciamos um processo de aproximação mais orgânica entre o núcleo e esses movimentos. Não podemos deixar de ressaltar o bom número de pessoas presentes.

Prefeitura do Rio e planejamento de transportes: contribuição para um programa socialista

Eduardo Andrade e Jorge Borges

1. Introdução

O presente artigo pretende, de forma sucinta, contribuir com o debate sobre planejamento e gestão dos transportes na cidade do Rio de Janeiro. Contudo, como a realidade de boa parte das cidades brasileiras é relativamente semelhante, acredita-se que os conceitos aqui apresentados podem contribuir com o acúmulo teórico em outros municípios. Inicialmente, dois pressupostos políticos que embasam o texto são rapidamente apresentados. Em seguida, são levantados os temas centrais para um diagnóstico sobre o setor. No terceiro ponto, algumas medidas são listadas afim de servir de base para a construção de uma plataforma de governo para as candidaturas do PSOL nas eleições de 2008. Por fim, há uma última consideração ainda de ordem política. Ao longo do texto, são feitas algumas menções sobre planejamento territorial, por se tratar de um tema intrinsecamente ligado aos transportes. Todavia, não é objetivo aqui fazer uma análise profunda sobre tal assunto, para que não se perca o foco.

2. Pressupostos Políticos

Antes de tratar do diagnóstico e das propostas para o campo do planejamento de transportes, cabe expor, resumidamente, sobre qual base política eles estão embasados. Entende-se que a luta de classes de classes existentes na nossa sociedade tem seu reflexo no município. De um lado está o capital: bancos, empreiteiras, especuladores urbanos, empresários do transporte, entre outros. Do outro estão os trabalhadores. As recomendações contidas nesse artigo, em consonância com o programa partidário, apontam para o enfrentamento entre essas partes, ou seja, entende-se que uma prefeitura do PSOL deve se aliar aos movimentos sociais e trabalhadores em geral para lutar contra a grande burguesia.

Outro importante princípio que essa contribuição está baseada é a defesa do ecossocialismo. Entende-se que o aprofundamento da crise ambiental gerada pelo modo capitalista de produção trará graves conseqüências para a humanidade, principalmente para os mais pobres. É tarefa dos socialistas incorporar as lutas ambientais como tema transversal. No atual contexto urbano nacional e internacional, no que concerne ao planejamento de transportes, o foco das preocupações sócio-ambientais é a poluição gerada pelos veículos, principalmente pelo automóvel particular.

Os princípios da luta de classes e da defesa do ecossocialimo estão presentes nas propostas aqui apresentadas, uma vez que a sua aplicação promoveria tanto a democratização da mobilidade em detrimento dos interesses empresariais, como a utilização do transporte público em detrimento do uso do veículo particular.

3. Diagnóstico

A cidade do Rio de Janeiro, durante muitos anos, não vê uma única iniciativa no que diz respeito ao planejamento territorial e de transportes. O nosso Plano Diretor data de 1992 e, desde então, não passa por atualização. De fato, ele nunca foi implementado, ou seja, temos uma Prefeitura que não sabe o que é planejamento de médio e longo prazo. Além disso, não vemos nenhum empenho por uma política habitacional universalizante e a mobilidade da população está entregue a grandes empresários que só pensam em seu próprio lucro. Ao longos dos vários governos que passaram, o que se percebe é uma escolha clara de privilegiar o capital em detrimento dos trabalhadores. Os prejuízos não são poucos e são facilmente percebidos. A desordem urbana (ou ordem urbana neo-liberal) foi pouco a pouco instaurada e coloca-nos o desafio de pensar e agir numa Cidade cruelmente marcada por quase duas décadas de governantes representantes do grande capital.

O planejamento territorial, como dito, praticamente inexiste. A concentração de empregos e a dispersão das habitações geram ainda mais necessidades de deslocamento. Analisando o plano habitacional, percebe-se que, como sempre, são os mais pobres que sofrem mais. São eles que são obrigados a procurar favelas ou regiões periféricas e com pouca infra-estrutura para morar, ou pior, vivem parcial ou integralmente nas ruas como forma de economizar o pouco que ganham.

Em relação ao sistema de transportes podemos destacar algumas características: congestionamentos constantes e crescentes; sistema de ônibus caro, desconfortável e ineficiente; aumento da poluição atmosférica e sonora; perda de tempo e baixa da qualidade de vida. Por outro lado, vemos os assombrosos e indecentes lucros dos empresários de ônibus. Para se ter uma idéia do montante de dinheiro envolvido, o último aumento no valor da tarifa modal, que passou de R$2,00 para R$2,10, gerou uma elevação na arrecadação das empresas de R$5 milhões por semana.

Outro reflexo dessa política é a multiplicação das vans e kombis como forma de transporte público. Hoje centenas de milhares de pessoas as utilizam e dependem delas como transporte diário, outros milhares são empregados nesse ramo. Contudo, as mazelas geradas por esse serviço são nítidas. A falta de regulação dos pontos faz com que, comumente, a parada delas gere problemas no transito. Parte dos trabalhadores do setor não é dono do seu próprio veículo e não é empregada formalmente. Por isso, é super-explorada e não possui nenhum direito trabalhista. Todavia, o discurso dos empresários de ônibus reclamando que as vans retiram seus passageiros não deve embasar nenhuma intervenção de nossa parte, pois essa transferência de passageiros é conseqüência da ineficiência e desarticulação do sistema formal. Nossa solução sobre esse tema tem que ser, como pressuposto, classista.

4. Propostas

Uma prefeitura do PSOL deve se comprometer em prover mobilidade para a população e democratizar, assim, o acesso à Cidade. O ponto inicial é compreender a demanda por transportes como algo não natural, sem causa e sem lógicas específicas. Ela é fruto da forma como a Cidade se organiza. Assim, a primeira solução é rever toda a estrutura urbana. Deve haver uma efetiva política habitacional universalizante baseada na macro-estrutura de transportes. Nela, deve-se privilegiar a construção de novas residências em terrenos e prédios vazios ou sub-utilizados em áreas já infraestruturadas, como o Centro e os locais próximos das estações de trem e metrô. Além disso, deve-se descentralizar os empregos na cidade, valorizando e incentivando sub-centros regionais através de estímulos ao comércio e com a construção de novos equipamentos públicos na periferia.

Deve haver uma reformulação total do sistema de ônibus municipais, tanto no que diz respeito à gestão, como à distribuição de linhas. É necessário que a Prefeitura volte a ter controle desse sistema, colocando fim às permissões ilegais. O enfrentamento com os interesses da FETRANSPOR é inevitável.

As linhas devem ser operadas ou por empresa pública ou através de licitações transparentes e lícitas. No segundo caso, a empresa não pode mais ser remunerada de acordo com os passageiros que andem em suas linhas. Toda a arrecadação deve ir para a Prefeitura, através de um fundo municipal que poderá funcionar tanto como câmara de compensação, visando garantir a efetividade de linhas deficitárias, quanto como gerenciador do sistema RioCard. A empresa deve ser encarada como uma prestadora de serviços e, portanto, receber de acordo com o serviço prestado (através de remuneração por quilômetro rodado ou por lugares disponibilizados).

Urge a necessidade de formulação da distribuição das linhas. Essas devem ser reorganizadas em um sistema tronco-alimentador. Assim, ônibus com grandes capacidades (articulados ou bi-articulados) devem cobrir grandes distâncias em vias segregadas parando em poucas estações. Enquanto, veículos de menores capacidades devem percorrer o interior dos bairros para levar a população às estações de transporte de alta capacidade. Todo e qualquer sistema que obrigue o motorista a acumular a função de cobrador deve ser abolido. Faixas exclusivas para transporte público em grandes vias (como as Linhas Vermelha e Amarela) têm que ser implementadas em caráter definitivo.

A demanda por vans e kombis tende a diminuir com a implementação de um sistema “formal” mais eficiente e integrado, principalmente no que diz respeito às viagens de longa distância. Contudo, esses veículos não devem ser abolidos ou perseguidos. Muito ao contrário, veículos de baixa capacidade podem ser incorporados ao sistema legal de transportes cumprindo, preferencialmente, a função de alimentação de corredores de transportes a partir de lugares menos acessíveis ou auxiliando a cobertura de demandas eventuais e específicas (como jogos esportivos, transporte escolar e outros grandes eventos).

Em paralelo às medidas de melhoria dos transportes públicos, deve haver a execução de políticas que inibam o uso do automóvel particular. A intensidade ou velocidade de implementação dessas medidas deverão ser analisadas em prazos mais longos, mas, certamente, serão necessárias para transferir usuários de automóveis para o sistema de transportes públicos. A seguir estão listadas algumas possíveis medidas que podem ser aplicadas de forma gradual: redução das vagas no Centro; elevação de taxas sobre vagas no Centro; diminuição, ou até a extinção, da exigência de vagas de garagem para prédios residenciais; controle mais rígido do estacionamento irregular em vias públicas; estímulo ao transporte solidário, entre outros.

A defesa das atuais gratuidades nos transportes públicos deve ser uma bandeira do PSOL. Ainda mais se considerarmos que se trata de uma importante bandeira dos movimentos sociais. O passe-livre não pode ser encarado como um privilégio. A gratuidade para pessoas com mais de 65 anos é um direito constitucional. A gratuidade para estudantes e portadores de doenças crônicas é necessária para a efetivação de políticas de educação e saúde. E deve-se ir além: os direitos de gratuidades para universitários de baixa renda e para desempregados à procura de emprego devem estar contidos no nosso programa como meio de se garantir democracia na educação e auxílio na formação de emprego e renda, respectivamente.

O incentivo ao uso de transportes não-motorizados, como as bicicletas, deve ocorrer. Mas isso só terá verdadeiro impacto na matriz de transportes se for entendido qual a função que esse modal deve cumprir. Ligar a Zona Sul ao Centro com ciclovias pode ter gerado uma boa alternativa de lazer, mas não efetivou mudança significativa nas viagens diárias. A melhor forma de incorporarmos as bicicletas ao sistema de transportes é construindo ciclovias nos subúrbios, tendo as estações de trem e metrô como centro radiador. Nessas estações devem ser construídas garagens para as bicicletas serem guardadas, e devem ser gratuitas para os usuários do sistema metrô-ferroviário. Outra opção é a regulamentação e o estímulo para que pequenos comerciantes disponibilizem espaços seguros para estacionamento de bicicletas, com tarifas integradas ao sistema de transporte público.

Por fim, mas não menos importante, cabe ressaltar a necessidade de articulação com as outras esferas de poder e com demais prefeituras da região metropolitana. A relação do nosso município com os seus vizinhos é muito forte. A solução de problemas aparentemente locais só se dará com medidas amplas que extrapolam a competência e as fronteiras municipais. No que diz respeito aos transportes, essa situação é evidente. É o Governo Estadual quem controla o sistema metro-ferroviário, o sistema aquaviário e as linhas interurbanas de ônibus. Esses sistemas não são, portanto, competência do município, mas este pode incentivar o uso de tais modais, tornando-os mais eficientes. Isso pode ser feito através da regulação do uso do solo, já explicitada, e da garantia de linhas alimentadoras integradas a esses sistemas. Entretanto, isso não pode significar recuo no nosso discurso ou na oposição programática a governos comprometidos com o capital.

5. Considerações Finais

Esta contribuição apresentou, mesmo que de forma não aprofundada, alguns pontos para um diagnostico sobre os transportes no Rio de Janeiro, bem como um certo número de propostas que podem servir de base para um debate sobre programa de governo. Por certo, a aplicação de algumas dessas medidas, ou a simples propaganda de tais idéias, pode gerar reações negativas, tanto dos empresários de ônibus, como de usuários de automóveis resistentes a mudanças. Mas também é certo que saberemos vencer essas dificuldades e conseguiremos, junto com o povo e os movimentos sociais, democratizar os transportes e a cidade do Rio de Janeiro. Espera-se, assim, a abertura de um diálogo mais amplo sobre a questão dos transportes públicos e sua incorporação na pauta de luta de todos os movimentos sociais urbanos.

Eduardo Andrade é graduado em Arquitetura e Urbanismo pela FAU-UFRJ e mestre em Engenharia de Transportes pela COPPE-UFRJ. Jorge Borges é membro da Rede Brasileira de Justiça Ambiental, graduado em Geografia pela UFRJ, especialista em planejamento e uso do solo urbano pelo IPPUR/UFRJ e mestrando em Geografia pela UFF. Ambos são militantes do Núcleo de Lutas e Reforma Urbana (www.psolurbano.blogspot.com) e assessores do Vereador Eliomar Coelho (PSOL-RJ).

Socializando a cidade: algumas bases para a atuação do PSOL na luta pela Reforma Urbana

Jorge Borges

A busca pela reconstrução das utopias da esquerda, por uma transformação da Sociedade em direção ao Socialismo, passa necessariamente pela fundação de um outro modelo de Cidade. A reprodução ampliada do Capital, atualmente, converge a passos largos para a mercantilização e/ou privatização da água, do Patrimônio Histórico e Cultural, do Saneamento, da Mobilidade, do direito inalienável à moradia digna, enfim, tudo o que dá sentido à vida na Cidade, tudo o que conforma as identidades comunitárias e de bairro – para além do próprio Capital.

A busca pela reconstrução das utopias da esquerda, por uma transformação da Sociedade em direção ao Socialismo, passa necessariamente pela fundação de um outro modelo de Cidade. Um modelo de Cidade cujos princípios fundamentais incorporem:

1) A garantia do acesso universal a bens e serviços públicos que supram necessidades gerais e imediatas da população, tais como: Educação, Saúde, Saneamento, Transporte, Energia, Água, Informação, Cultura e Desporto;

2) Um questionamento frontal aos poderes dos grandes proprietários de imóveis urbanos, o que significa garantir instrumentos concretos de apropriação da renda da terra, eliminando ou, no mínimo, reduzindo o caráter de ativo econômico dos bens imóveis; e

3) A liberdade do ir e vir.

Trata-se de uma luta difícil, sem dúvida. E como toda luta, a construção dessa Cidade Livre e Socialista requer estratégias de curto, médio e longo prazos. E como toda luta psolista, esta deve contemplar, igualmente, uma perspectiva libertária e socializante das avaliações e caminhos a serem seguidos. A diversidade deve aparecer muito mais como riqueza sócio-cultural, ou seja, como oportunidade de mudança, do que como obstáculo à realização de um projeto definido a priori, por um grupo reduzido de entendidos.

A reprodução ampliada do Capital, atualmente, converge a passos largos para a mercantilização e/ou privatização da água, do Patrimônio Histórico e Cultural, do Saneamento, da Mobilidade, do direito inalienável à moradia digna, enfim, tudo o que dá sentido à vida na Cidade, tudo o que conforma as identidades comunitárias e de bairro – para além do próprio Capital.

É preciso que fique claro, logo de início, que não se trata de uma luta fratricida entre os diferentes segmentos sociais que habitam a Cidade. Por outro lado, o convívio entre as diferenças não pode significar uma capitulação disfarçada de conciliação de classes, de “amenização” dos efeitos perversos da modernização capitalista sobre a classe trabalhadora. O questionamento do regime de propriedade privada da terra significa, antes de tudo, a presença, a moradia e os espaços de trabalho e de lazer dignos para todas as classes sociais em todas as áreas da Cidade. Terras, imóveis, equipamentos e infra-estruturas passam a ser vistos como meio de realização plena da vida humana e não como objeto de especulação e de exploração de uns pelos outros.


Mudanças nos marcos jurídico-institucionais

Após décadas de luta dos Movimentos Sociais Urbanos, com fortes vínculos junto às vanguardas de esquerda, o Século XXI começa com a entrada em vigor do Estatuto da Cidade (Lei Federal 10.257/01) e com a criação do Ministério, das Conferências e do Conselho das Cidades (em 2003), por iniciativa do Governo Federal.

Essa trajetória, apesar de recente, permite-nos reconhecer grandes avanços na capacidade do Estado brasileiro absorver certas demandas da Sociedade Civil e de criar condições para que as lutas sociais na Cidade tenham uma possibilidade de encaminhamento. Entretanto, é igualmente verdadeira a avaliação de que a grande maioria das políticas públicas elaboradas no âmbito do Ministério das Cidades tem sido conduzida por uma visão hesitante acerca do enfrentamento dos velhos monopólios da incorporação imobiliária e dos transportes públicos, além de estagnar políticas públicas de saneamento ambiental em várias regiões brasileiras. Outro fator complicador aparece na cerca jurídica conformada pela elitização histórica dos órgãos de Estado ligados ao conflito urbano (tais como o Ministério Público e o Judiciário) que raras vezes representam um benefício real para o Povo – menos ainda para as classes mais empobrecidas.

Mais além, o potencial de mobilização social representado pelas Conferências e pela estrutura dos Conselhos das Cidades vem perdendo o fôlego exatamente pela falta de cultura política do debate sobre o urbano e pela ausência de referenciais de método que permita o encontro respeitoso das diferenças, a garantia da pluralidade de visões e projetos, e sua materialização. De um lado, uma visão ainda dominada pela ditadura da técnica e da ciência, embaladas hermeticamente nos laboratórios e nos discursos universitários, de ONGs e de escritórios de consultoria, faz com que a questão seja vista como “um assunto para especialistas” e a luta seja considerada apenas no plano jurídico-institucional. De outro lado, organizações comunitárias e movimentos sociais dispersos, apoiados por heróicas resistências entre os mais doutos, mas sem capacidade para mobilizações amplas, com pouco acesso aos principais dados e informações que lhes permitiriam uma luta mais consistente e com maior capacidade de integração com outras pautas de outras lutas específicas.


Quebra de dicotomias

No plano da integração entre as diferentes lutas, vale lembrar que as últimas décadas foram marcadas, também, pela ascensão de algumas agendas cujos conteúdos congregam questões como a proteção ambiental (que nos remete ao modelo de desenvolvimento brasileiro), os movimentos das minorias sociais e políticas (de gênero, sexuais, étnicas), o fortalecimento da luta pela Reforma Agrária entre outros. Verifica-se, muito recentemente, uma oportunidade para a superação de tais abordagens, através da consolidação de temas transversais que permitam ações conjuntas, integradas, entre os diferentes movimentos sociais.

Assim, como exemplo, a luta pela preservação dos ecossistemas brasileiros poderia estar inserida nos debates dos Planos Diretores participativos, garantindo o direito à moradia e o desenvolvimento de atividades sócio-econômicas verdadeiramente sustentáveis para comunidades cujos modos de vida encontram-se intimamente ligados aos ritmos da natureza (pescadores, pequenos agricultores em áreas periurbanas, comunidades em áreas de risco ambiental etc.). Na mesma direção, a luta pelo reconhecimento de comunidades remanescentes de quilombos perpassaria os limites da questão agrária e da questão urbana e estaria contemplada, também, no fortalecimento destas comunidades que resistem à modernização capitalista mesmo em áreas metropolitanas. Também no plano das lutas dos trabalhadores sindicalizados, o modo de produção capitalista abre um outro flanco para ser questionado, quando a carestia da moradia e a imposição de padrões de consumo e relações de trabalho insustentáveis são impostos às classes sociais médias e baixas, levando a um aumento da desagregação social, da intolerância, da violência e da segregação.


Revisão de paradigmas de planejamento

Um processo marcante na atual conjuntura é o desmanche de quase todas as certezas, sejam elas teóricas ou metodológicas, e a perspectiva de ascensão de outras formas de interpretação e compreensão dos processos sociais e dos jogos políticos sobre a Cidade. Existe uma necessidade urgente de desenvolvimento de metodologias e processos de planejamento que incorporem a diversidade e a pluralidade dos vários segmentos sociais envolvidos nos embates políticos sobre a Cidade, em detrimento de abordagens marcadas por uma racionalidade maquínica e totalmente condicionada por interesses descolados das necessidades sociais.

Mais uma vez, a proposta de uma outra forma de planejar a Cidade, com ampla participação pública, garantindo o encontro das informações gerais sobre o desenvolvimento das cidades com a vivência dos diversos segmentos e interesses das classes médias e baixas, coloca-se como uma questão central a ser apropriada e fortalecida. Pensar em mudar a Cidade deve deixar de ser um atributo de urbanistas encastelados nos seus escritórios com ar condicionado e seus computadores cheios de estatísticas distantes da vida cotidiana do Povo! É preciso que cada bairro, cada comunidade tenha acesso às informações sobre os indicativos de crescimento da Cidade, sobre as necessidades de mais e melhores equipamentos urbanos, sobre as oportunidades de novas atividades econômicas que garantam a ocupação digna das trabalhadoras e dos trabalhadores e sua capacidade de sustento das suas famílias.

Para além do processo de planejamento urbano, é preciso criar uma cultura de acompanhamento das ações estatais, um sistema que permita às associações de moradores e movimentos sociais monitorarem os processos gerais de valorização da terra urbana, de investimentos públicos e de implementação dos grandes projetos da modernização capitalista. Capacitando-os com dados, informações e avaliações críticas sobre tais processos, estaremos equipando-os com instrumentos de democratização da Cidade, de socialização dos bens e políticas públicas, demonstrando a faceta mais cruel do desenvolvimento capitalista: a concentração histórica de investimentos públicos nas áreas mais abastadas, em detrimento dos bairros populares.


Reaproximação entre atores de diferentes segmentos sociais

Verifica-se, principalmente a partir de fins da década de 1990, uma retomada na mobilização e na organização da Sociedade, na questão urbana, sob novas perspectivas. Por um lado, há um fortalecimento das organizações e movimentos de bairro, bem como suas federações e entidades de representação mais ampla, nos grandes centros urbanos. Por outro lado, com os novos marcos jurídico-institucionais, tem-se uma avaliação de que a mobilização e a organização da Sociedade Civil devem estar direcionadas para uma intervenção mais qualificada em termos técnico-jurídicos e políticos – daí a propagação e constituição de fóruns populares, redes de assistência técnico-jurídica e para a requalificação de quadros técnicos em diversas estruturas governamentais em nível municipal. Tudo isso colabora para, a curto e médio prazo, uma aproximação cada vez maior entre os diferentes movimentos populares e as entidades profissionais ou os meios acadêmicos mais preocupados com uma mudança estrutural na Sociedade.

Eis uma oportunidade ímpar para o Partido Socialismo e Liberdade: a participação nos espaços já criados e a constituição de instâncias internas específicas para o encontro dessas lutas e movimentos, orientando a formação de quadros, a atuação de mandatos e a elaboração dos programas de governo!!


Estratégias e táticas

Antes de tudo, um compromisso visceral com a transparência e a universalização na disseminação de informações, interna e externamente, deve ser assumido por todos. Daí teremos um diferencial importante quando estivermos em contato ou atuando junto aos diversos segmentos sociais. Nada mais justo. Começar a luta pela justiça social na Cidade privilegiando a criação ou o fortalecimento de uma colaboração técnica e política entre os Movimentos Sociais Urbanos, definindo critérios claros de participação da militância em espaços como fóruns e conselhos populares.

Para alcançar esse novo modelo de Sociedade, em termos concretos, o PSOL precisa reconhecer nas questões da Cidade uma frente estratégica na luta contemporânea. Os primeiros objetivos poderiam ser:

─ o esclarecimento do que está em jogo: o direito à presença na Cidade, principalmente, dos mais pobres; o direito de ir e vir, o acesso a bens públicos fundamentais, o aumento da discriminação sob a ideologia da “ordem urbana”;

─ o desmascaramento das estratégias novas e velhas do Capital imobiliário: o obscurantismo das gestões neoliberais, a valorização da terra por decreto, o esfacelamento do licenciamento ambiental;

─ a compreensão ampla das necessidades e expectativas do Povo e dos Movimentos Sociais Urbanos frente às institucionalidades (estatais ou não).


Cuidado nas alianças, ainda que transitórias

Dentro da estrutura do Partido, é preciso um esforço para a criação de um setorial de política urbana, além de incorporar tal questão à agenda das demais instâncias do partido, como tema transversal e urgente, tornando-os instrumentos para o repensar da Cidade e da inserção do Partido na Sociedade.
A luta anti-capitalista só pode ser materializada alumiando-se a realidade numa busca incessante pela transparência no espaço público e pelo reconhecimento do caráter e da natureza dos nossos adversários e dos nossos aliados. Não é possível, por exemplo, sequer cogitar alianças pontuais com qualquer um que tenha colaborado para cunhar a noção de “ordem urbana” estreitamente vinculada ao processo de criminalização da pobreza. Não é possível sentar na mesma mesa de quem institucionalmente assinou medidas de liberalização da Cidade para o grande Capital imobiliário. Não é possível apoiar ou ser apoiado por quem concorda que o “Caveirão” é um instrumento adequado e eficiente de segurança pública.

Com muita calma, nesta hora, teremos uma boa medida da distância entre um projeto revolucionário de esquerda para as disputas municipais e uma mera marcação de posição perante a mercantilização da vida e o obscurantismo na política que temos assistido nos últimos anos.


Jorge Borges é militante do Núcleo de Lutas e Reforma Urbana, membro da Rede Brasileira de Justiça Ambiental, graduado em Geografia pela UFRJ, especialista em planejamento e uso do solo urbano pelo IPPUR/UFRJ e mestrando em Geografia pela UFF.

Conflitos socioambientais urbanos e o enfretamento socialista aos modelos neoliberais de ecoeficiência na luta pela moradia...

Conflitos socioambientais urbanos e o enfretamento socialista aos modelos neoliberais de ecoeficiência na luta pela moradia digna

Jadir Brito

A produção capitalista desconsiderou as desigualdades socioambientais, bem como reduziu conflitos ambientais às limitações tecnológicas. Contemporaneamente está em curso um neoliberalismo ambiental que passa a considerar cada vez mais os conflitos e a degradação do meio ambiente, por esses interferirem nos resultados da produção econômica.

Os padrões de racionalidade do capitalismo se expressam na razão instrumental, interpretando os conflitos ambientais e degradação do meio ambiente reduzidos ao desperdício de energia, à poluição dos resíduos industriais, sem a consideração das injustiças decorrentes do etnocentrismo, do racismo e da exploração econômica do capitalismo. O modo de produção capitalista desconsiderou as desigualdades socioambientais, assim como reduziu conflitos ambientais às limitações tecnológicas. Contemporaneamente está em curso um neoliberalismo ambiental que passa a considerar cada vez mais os conflitos e a degradação do meio ambiente, por esses interferirem nos resultados da produção econômica. Contudo, o capital tem utilizado, como estratégias, frente à crise ambiental, mecanismos da mercantilização do meio ambiente como, por exemplo: o mercado de créditos de carbono; as tecnologias “limpas”; os “mercados do ar”; as biotecnologias aplicadas às sementes transgênicas ; as monoculturas do eucalipto e da soja; a legitimação monista do poder político; a recusa da discussão democrática dos projetos ambientais; as propostas de flexibilização das políticas e legislações socioambientais; as propostas de celeridade do licenciamento ambiental e de dispensa de estudo de impactos ambientais.

Nas áreas urbanas, o racionalismo instrumental formula respostas à degradação ambiental, através de ações políticas amparadas nos conceitos indeterminados de cidades sustentáveis e de sociedade de risco. Todos esses conceitos e práticas são representantes de uma racionalidade objetiva da crise ambiental que desconsidera elementos subjetivos da vida social. Assim, a degradação é reduzida a um colapso objetivo, como conseqüência da entropia do meio ambiente que leva ao esgotamento do modelo de produção capitalista e à abstração das injustiças sociais decorrentes desses modelos.

Os conflitos socioambientais nas áreas urbanas e rurais podem ser analisados sob duas dimensões: uma objetiva, referente aos litígios entre projetos de desenvolvimento e sustentabilidade e outra subjetiva, referente à representação social e identidades culturais distintas. Os conflitos estão também situados no campo simbólico da dominação entre o modelo sociocultural das elites européias e a resistência expressa na lutas políticas insurgentes das comunidades pobres, indígenas e africanas na América Latina que pautam mudanças dos limites e das fronteiras-territoriais ou institucionais dos direitos de propriedade privada, a propugnar o uso comunitário da terra.

No Brasil, o direito e as políticas públicas urbanas, ambientais e fundiárias consideram o conceito do desenvolvimento sustentável de forma indeterminada e abstrata. O desenvolvimento sustentável é um dos princípios constitucionais do direito ambiental prescrito no Princípio nº 4 da Declaração do Rio de 1992 e no Artigo 225 da Constituição Federal. O conceito de sustentabilidade ambiental ou desenvolvimento sustentável é uma semântica aberta e indeterminada que permite uma interpretação polissêmica nas formulações acadêmicas e nas decisões judiciais. Devido a essa indeterminação semântica, a livre interpretação de juízes, promotores, membros do poder executivo e legisladores é suscetível aos argumentos do neoliberalismo ambiental, justificada nas “verdades” e “soluções” da ecoeficiência e na ditadura do pareceres técnicos em detrimento de argumentos redistributivos e de reconhecimento da justiça ambiental. Desse modo, essas interpretações constituem uma representação social do desenvolvimento e da sustentabilidade e práticas que não só ampliam as possibilidades de conflitos ambientais, como fomentam o recrudescimento da violência e das desigualdades socioambientais sobre comunidades urbanas e rurais submetidas às injustiças ambientais. Como expõe Roberto José Moreira, o conceito de desenvolvimento sustentável possui dimensões fundamentais para que o discurso do desenvolvimento do capitalismo não continue a promover danos ao meio ambiente, inibindo as condições das necessidades básicas da segurança social e a participação da sociedade nos destinos de suas vidas (MOREIRA, 1999).

O enfrentamento dos conflitos socioambientais urbanos, por uma perspectiva socialista e popular de esquerda, demanda a defesa de mecanismos compensatórios. As compensações urbano-ambientais e fundiárias são, por princípio, mecanismos socioeconômicos para a reapropriação das mais-valias urbanas, fundiárias e ambientais decorrentes de investimentos públicos ou mesmo de valorização artificial das terras por mecanismos legais em favor do capital nas cidades. Deve ser pauta de um governo de esquerda popular a implementação de mecanismos compensatórios de recuperação das mais-valias, a exemplo dos já formalmente presentes no Estatuto da Cidade (Lei 10.257/01), ou mesmo na Lei 9985/00. Desse modo, a regulamentação do IPTU progressivo, da contribuição de melhoria, a promoção de incentivos e benefícios fiscais e financeiros, em favor de áreas mais pobres, a concessão de uso especial para fins de moradia, a instituição de zonas especiais de interesse socioambiental, desapropriações e amplo programa de moradia digna são compromissos inarredáveis para um governo orientado por princípios socialistas populares.

A defesa das compensações urbano-ambientais por um governo popular de esquerda deve possuir como meta a recuperação dos injustos benefícios econômicos e sociais concedidos pelos governos ao capital em detrimento do desenvolvimento socioeconômico das populações empobrecidas. A formulação de políticas públicas urbanas, ambientais e fundiárias municipais compensatórias deve indicar mecanismos de efetivação do combate à concentração de terras urbanas sob a posse do capital com redistribuição dos ativos financeiros e sociais dos investimentos públicos em favor de comunidades pobres. As compensações visam o estabelecimento das condições da justa distribuição dos benefícios socioambientais, contrabalançando o ônus e os benefícios dos processos da urbanização para o cumprimento da função social da propriedade e da cidade para a moradia digna com sustentabilidade.

A construção de um governo de esquerda popular deve enfrentar os conflitos socioambientais promovidos pelo capital e pelas omissões das administrações públicas, cujas vítimas são populações pobres das cidades, particularmente, as comunidades de favelas. Os conflitos urbanos também possuem uma dimensão simbólica (ACSERALD, 2004), pois constituem uma representação social discriminatória sobre os pobres nas cidades. Um exemplo desta dimensão dos conflitos é a retórica da “desordem urbana” no Rio de Janeiro, que quer imputar, aos moradores das áreas pobres da cidade, o encargo da responsabilidade da desestruturação urbana.

No Rio de Janeiro do século passado e, contemporaneamente, o discurso da “desordem urbana”, do “perigo” e da “higiene social” (FUKS, 1999) compõem estratégias de enfrentamento de conflitos urbanos e ambientais. A “proteção ambiental” e o “desenvolvimento sustentável” são associados e condicionados aos despejos de moradores pobres, a exemplo das ações judiciais movidas pelo Ministério Público Estadual, Prefeitura e Governo do Estado do Rio de Janeiro contra as comunidades do Alto da Boa Vista, Chácara do Céu, Canal do Anil, dentre outras.

Desse modo, a retórica contemporânea de “proteção ao meio ambiente”, por meio de remoção de favelas, é mais “sofisticada” do que os processos ocorridos nas décadas de oitenta e noventa, pois incorporam a representação social do “desenvolvimento sustentável”. Essas condições tornam mais graves os conflitos ambientais entre as comunidades faveladas e o capital imobiliário, pois os litígios judiciais e administrativos são agregados a uma dimensão simbólica e prática da eficiência. Esta estabelece uma desvantagem na origem no enfrentamento judicial e administrativo desses conflitos: a representação social da favela como um “não-lugar” social e a concepção de um preservacionismo que se põe acima de qualquer possibilidade de projeto socioambiental para a moradia. As ações institucionais em “defesa do meio ambiente” no Rio de janeiro utilizam uma ótica da ecoeficiência objetivada (ACSELRAD, 2004), sem consideração da representação e subjetividades sociais do moradores pois, na maioria dos casos, sequer são ouvidos pelos órgãos institucionais.

O morador da favela além de ser visto como ‘contaminado’ pela sujeira à sua volta, é também visto como “agente causador de poluição para o meio ambiente urbano.” (FUKS, 1999). Assim, “a perspectiva ambiental assume, então, a tarefa de articular uma nova chave de interpretação para os ‘problemas urbanos’ a partir do quadro de problemas que a precede.” (FUKS, 1999). O quadro da retórica de proteção ambiental como meio de interpretação dos conflitos urbanos e de controle social, no cenário das relações políticas e sociais do final dos anos oitenta e década de noventa, foi agravado pela ausência de representantes populares nas discussões dos conflitos ambientais (FUKS, 1999).

A percepção da emergência de outras construções simbólicas que re-significam a “questão ambiental” é um das condições sine qua non para a construção de um olhar de esquerda popular sobre os conflitos socioambientais. Tal condição permite a construção de discursos e práticas contra-hegemônicas à retórica do capital imobiliário, cada vez mais inserida na mídia e no discurso e na prática de órgãos públicos, que transforma o meio ambiente em mercadoria e, injustamente, atribui os danos ambientais aos mais pobres. Há experiências rurais de assentamentos de reforma agrária, de comunidades indígenas e quilombolas e urbanas de comunidades de favelas inseridas em áreas ambientais que indicam outros olhares para apropriação sustentável do meio ambiente. A incorporação da re-significação popular do uso do meio ambiente no enfretamento dos conflitos socioambientais é muito relevante na formulação de políticas públicas para a garantia da moradia digna.

O enfretamento dos conflitos socioambientais deve ir além do campo simbólico da representação social que faz a defesa da propriedade privada sob a retórica ambiental. No campo material concreto, exige a intervenção das autoridades do Estado o que denominamos de “cerca viva”: juízes, desembargadores e executantes das decisões judiciais, a quem cabe garantir o cercamento (COSTA, 2005) de territórios privados e do meio ambiente. O cercamento jurídico capitalista é também legitimado pelo discurso da técnica ambiental, típico da ecoeficiência, presente nos órgãos ambientais, na academia e nas orientações da gestão pública. O que Acselrad chama de “reestruturação ecourbana” (ACSELRAD, 2004), estaria levando à despolitização das lutas sociais que envolvem questões socioambientais, transformando as discussões dos conflitos ambientais em temáticas exclusivamente técnicas em detrimento da justiça ambiental (Environmental Justice).

O tecnicismo ambiental, afasta, por exemplo o exame das injustiças urbanas socioambientais a exemplo do racismo ambiental. O racismo institucional se materializa na incapacidade, ou na recusa dos organismos em garantir a promoção da redistribuição e o reconhecimento de determinados grupos, tais como os afro-brasileiros e os povos indígenas. Tal compreensão considera o racismo na esfera das relações políticas e sociais, sem descartar os seus efeitos na auto-estima dos indivíduos. O racismo ambiental lega maiores encargos da degradação ambiental aos grupos étnico-raciais, historicamente atingidos por desvantagens e discriminações. No Brasil a posse da terra historicamente foi marcada pelo racismo ambiental, pois comunidades indígenas, quilombolas , faveladas e demais áreas pobres que são ocupadas, em sua maioria, por populações descendentes de povos indígenas e africanos que estão em permanentes conflitos pela posse e uso da terra, sobretudo quando são as ambientalmente melhores (BULLARD, 2004).

Assim, há uma perspectiva pluralista e multicultural a ser considerada na construção de uma ótica socialista e popular sobre a cidade. Não há, evidentemente, resposta única. Contudo, há princípios e condições inarredáveis tais como: a não submissão ao capital na formulação das políticas urbanas, fundiárias e ambientais, o respeito ao protagonismo da sociedade civil, por meio das organizações populares nas decisões das políticas públicas, o que implica transparência pública e a superação da gestão pública ancorada no hermetismo burocrático que açambarca a participação social nas decisões públicas. Além disso, para a formulação de uma agenda socialista e popular para a cidade devemos assumir as lutas:

- pela re-significação das questões urbano-ambientais à luz da insurgente resistência de comunidades urbanas e rurais nas práticas sociais pela efetividade de princípios da justiça ambiental e a moradia digna na Cidade;
- contra a retórica da “ordem urbano-ambiental” na qual a defesa do meio ambiente é um elemento de valorização das terras de interesses do capital e instrumento de opressão, criminalização e promoção de desigualdades e discriminações contra comunidades urbanas e rurais localizadas em sítios ambientais;
- direito à paisagem integrado pelos territórios urbanos submetidos à desigualdades como a exemplo das favelas;
- pela efetividade do direito à mobilidade urbana nos transportes coletivos por meio de controle e gestão estatal, licitações públicas, passe livre estudantil e acompanhamento popular;
- pela efetividade de Políticas públicas de reapropriação efetiva das mais-valias urbanas, ambientais e fundiárias, concedidas por ativos públicos, em favor do capital imobiliário;
- pela regulamentação e aplicabilidade dos instrumentos urbanísticos ( a exemplo do IPTU PROGRESSIVO) para o combate à concentração de terras e a especulação imobiliária urbana;
- pela efetividade de Políticas públicas de reapropriação de terras urbanas sob posse do capital para a redistribuição com populações de sem-teto e aplicação nas políticas de moradia digna;
- contra a desregulamentação da legislação ambiental, urbanística e fundiária em favor do capital imobiliário;
- pela implementação da regulamentação de território tradicionais urbanos a exemplo dos quilombos;
- pela garantia da participação popular com poder decisórios na implementação de políticas urbano-ambientais nos territórios
- pela inserção das lutas de reconhecimento de gênero, etnia e raça nas políticas urbanas, fundiárias e socioambientais.

Jadir Brito é doutor em Direito (PUC-SP), professor de Direito Ambiental , Direito da Cidade e Direitos Humanos na Universidade Candido Mendes (UCAM) e assessor jurídico do mandato do Vereador Eliomar Coelho (PSOL/Rio-RJ).


Rerências bibliográficas

ACSELRAD, H. As Práticas Espaciais e o Campo dos Conflitos Ambientais. In: ACSELRAD, H. (org.) Conflitos Ambientais no Brasil. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2004.

BULLARD, Robert. Enfrentando o racismo ambiental. IN Henri; HERCULANO, Selene; Pádua José Augusto. Justiça Ambiental e Cidadania. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2004.

COSTA, Maria de Fátima Tardin. A cerca jurídica da terra na produção capitalista da cidade. Mestrado (Dissertação em Direito da Cidade). Rio de Janeiro: UERJ, 2005.

FUKS, Mário. Arenas de Ação e Debate Públicos: os Conflitos Ambientais e a emergência do meio ambiente enquanto problema social no Rio de Janeiro (1985-1992). Tribunal de Contas do Rio de Janeiro, Setembro de 1999.

MOREIRA, Roberto José (org.) In: Mundo Rural e Tempo Presente. Rio de Janeiro: PRONEX, CPDA, UFRRJ, Tempo Presente, 1999.

____________. Renda da natureza e territorialização do capital: reinterpretando a renda da terra na competição intercapitalista. In: Estudos Sociedade e Agricultura, n. 4, 89-111; jun., 1995.

Pensando uma Reforma Urbana Ecossocialista

Paulo Piramba

As questões ambientais vêm ocupando tal espaço, que poucos de nós percebemos que palavras e expressões como “ecossistema” e “impacto ambiental”, até pouco tempo atrás, eram de uso exclusivo de pesquisadores, técnicos e militantes da área. Além da inserção na mídia, é cada vez mais comum sua presença nas agendas dos partidos, organizações e movimentos. Em muito contribuiu a divulgação dos relatórios do IPCC (sigla em inglês de Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), que colocou a atividade humana como principal responsável pelas mudanças climáticas.

Introdução

As questões ambientais vêm ocupando tal espaço, que poucos de nós percebemos que palavras e expressões como “ecossistema” e “impacto ambiental”, até pouco tempo atrás, eram de uso exclusivo de pesquisadores, técnicos e militantes da área. Além da inserção na mídia, é cada vez mais comum sua presença nas agendas dos partidos, organizações e movimentos. Em muito contribuiu a divulgação dos relatórios do IPCC (sigla em inglês de Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), que colocou a atividade humana como principal responsável pelas mudanças climáticas.


Desde as décadas de 1930-40 a população brasileira vem se tornando mais urbana, chegando a 153 milhões de pessoas (81% da população) vivendo em áreas urbanas em 2006, segundo o IBGE. Estas cidades – algumas delas, megalópoles – recebem um fluxo populacional, que cria uma demanda por serviços e equipamentos sociais em uma proporção muito maior do que elas têm condições de atender.


Este quadro tende a piorar com as mudanças climáticas anunciadas pelo IPCC. Falta d’água, doenças silvestres ou provocadas pela poluição do ar, sonora, da água e do solo já são comuns hoje. Nas cidades que substituíram a cobertura vegetal pelo concreto, ondas de calor as transformarão em fornalhas. Temporais de curta duração, mas com grande intensidade, provocarão enchentes nas cidades impermeabilizadas pelo asfalto.


Pensar em uma solução para este modelo inviável de cidade significa pensar, também, em outro modelo econômico, que seja construído em torno do atendimento das reais necessidades da maioria de suas populações. O socialismo continua sendo vital como o ar e a água. E mostrará mais vitalidade, se puder se reconstruir como idéia libertária, generosa e transformadora, que leva em conta a continuidade da vida no planeta.


A cidade e a ordem neoliberal


Não há como pensar em políticas públicas ambientais para as cidades, sem levar em conta como elas estão organizadas. No neoliberalismo, a cidade, assim como a economia, é pensada para poucos. A maneira como ela se organiza, de que maneira ela se expande, os equipamentos sociais acrescentados, a sua relação com a natureza e entre seus habitantes, tudo isso é feito para uma minoria, os seus cidadãos e cidadãs “de primeira categoria”. Como na antiga Atenas, onde para cada cidadão chegou-se a ter 18 escravos, para cada “incluído” na cidade neoliberal, existem dezenas de cidadãos de “segunda categoria”, organizados social e geograficamente para atender às necessidades dos primeiros.


A especulação imobiliária cria condomínios com segurança e conforto, e segrega seus empregados em “bantustões”, com precárias condições ambientais, sem saneamento, próximos de indústrias poluentes ou de cursos d’água envenenados. Na maioria das vezes, estes guetos ficam longe dos locais de trabalho, servidos por transportes lentos, insuficientes e poluentes. Enquanto isso, mais e mais carros são produzidos, contribuindo para a emissão de CO2 e gerando engarrafamentos.


O neoliberalismo incentiva o consumismo e submete grande parte da população ao desemprego estrutural e à pauperização dos salários. Para estes só resta construir moradias em áreas degradadas ou em locais de preservação ambiental, onde são acusados de agressão ambiental e ameaçados de remoção. Esta necessidade de consumir é alimentada por outdoors colocados em locais que obstruem a visão do que resta de natureza, ou por carros e sistemas de som estridentes, que contribuem para a poluição visual ou sonora, assim como os equipamentos urbanos de mau gosto, ou os ruídos do trânsito.


Quase todas as cidades têm, ou terão em breve, problemas de fornecimento e tratamento de água. O neoliberalismo tem se apropriado destes serviços. A perda do controle do Estado sobre a água pode levar a que enormes contingentes populacionais não tenham acesso a ela. 83 milhões de pessoas não são atendidas por sistemas de esgotos e 45 milhões carecem de água potável. 65% das internações hospitalares de crianças de zero a cinco anos são em con?seqüência dessa precariedade.


São produzidas cerca de 150 mil toneladas diárias de lixo, sendo que, em grande parte das grandes cidades, ele é despejado em lixões, contaminando fontes de água, o solo e o ar. A privatização do setor de limpeza pública não reduziu os índices de resíduos sólidos urbanos dispostos de maneira inadequada.


Tecnologias envelhecidas e poluentes, com consumo elevado de energia e água, sem tratamento adequado dos efluentes; inexistência de sistemas adequados de eliminação dos resíduos perigosos; fábricas perto de áreas urbanas ou de zonas de proteção ambiental; descargas de efluentes em águas de superfície ou subterrâneas; e armazenamento inadequado de resíduos, são causas da poluição industrial, que destrói o ambiente e ameaça a saúde dos trabalhadores – já submetidos a um regime de trabalho repetitivo e estressante – e dos habitantes que mo?ram em torno das fábricas.


Os governos locais não têm dinheiro, nem vontade política para resolver estes problemas. O governo federal concentra cada vez mais os recursos, com grande parte destinada ao superávit primário. Obras de saneamento, de oferecimento de água potável e de tratamento de resíduos são vistas como “obras que não dão voto”, o que faz com que os recursos municipais sejam usados em obras de importância duvidosa, mas com visibilidade.


O resultado é a violência. Os governos apostam no uso das forças de repressão para confinar, controlar e exterminar o que Michael Löwy chamou de pobretariado. A repressão também têm se ocupado em combater a chamada “desordem urbana” neoliberal, ou seja, aquilo que se contrapõe e conflita com a “cidade para poucos”, reprimindo os trabalhadores informais, removendo populações de áreas anteriormente sem valor, mas agora com alguma importância especulativa ou econômica, ou ainda proibindo as oferendas e demais manifestações das religiões afro-brasileiras.


Pensando uma Reforma Urbana Ecossocialista


A expansão descontrolada das cidades, a privatização dos serviços públicos e a especulação imobiliária, levaram à privatização da cidade, além da degradação do solo urbano e a eliminação das áreas verdes. A utilização das “áreas nobres” em empreendimentos comerciais afastou as pessoas do centro da cidade, aumentando o tempo gasto no transporte. A opção pelo transporte individual, em detrimento do transporte coletivo, aumentou a dispersão dos gases do efeito estufa, além do stress provocado pelos engarrafamentos.


De acordo com cálculos da ONU, as cidades estão crescendo nos países dependentes três vezes mais rápido que nos países capitalistas ricos, e os problemas ambientais são bem mais extensos naquelas cidades. A poluição do ar, provocada pelos automóveis e indústrias, combinada com a inversão térmica causada pelo efeito estufa, chegam a paralisar megalópoles. Na maioria destas cidades o lixo é acumulado em vazadouros ou queimado em lixões.


É necessária uma Reforma Urbana Ecológica tão radical quanto a Reforma Agrária Ecológica defendida pelos movimentos sociais. Uma Reforma Urbana que inverta prioridades e garanta a participação popular na decisão e no controle dos projetos, mas que também incorpore uma perspectiva ecológica nos Planos Diretores. Devolver a cidade a seus cidadãos, garantindo total acesso aos espaços e serviços públicos, à cultura, à moradia, à educação, à saúde, ao trabalho, ao transporte e ao lazer, em uma relação sustentável com a natureza.


A seguir, alguns tópicos e propostas que devem estar presentes na construção de um programa ecossocialista para as cidades:


1) Aquecimento Global

─ Metas de redução de emissão dos gases do efeito estufa;

─ Substituição do diesel pelo álcool e o gás nos ônibus e na frota oficial.


2) Acesso à água

─ Universalizar o acesso à água, que deve ser oferecida pelo Estado, com gestão pública e controle social;

─ Prioridade do abastecimento doméstico sobre o uso industrial;

─ Uso social da água, aumentando a tarifa das grandes indústrias, usando o arrecadado na recuperação da bacia de origem.


3) Tratamento de Resíduos Sólidos e Saneamento

─ Saneamento e água potável para populações de baixa renda;

─ Utilização do biogás nos aterros sanitários;

─ Organizar os catadores em associações e cooperativas, oferecendo programas de inclusão;

─ Reciclar o entulho da construção civil, utilizando-o em programas de habitação popular;

─ Implantar usinas de compostagem dos resíduos orgânicos em alternativa aos lixões;


3) Poluentes Industriais e Saúde

─ Criar mecanismos tributários de incentivo a indústrias limpas e tributação de práticas poluidoras;

─ Integrar o trabalho da vigilância sanitária com os órgãos de defesa da saúde do trabalhador, visando diminuir os impactos de manuseio ou contato com substâncias, irradiações, ruídos e temperaturas que afetem a saúde do trabalhador;

─ Alterar a organização, regime e condições de trabalho, em busca de ambientes de trabalho menos estressantes e atividades menos repetitivas.


4) Reforma Urbana Ecológica

─ Garantir o direito à moradia digna, com água potável e tratamento de esgotos, em locais seguros que não ameacem as reservas ambientais;

─ Regularizar a posse da terra nas ocupações, preservando mananciais e áreas de preservação;

─ Recuperar áreas degradadas das grandes cidades, destinando-as a projetos de habitação popular social e ambientalmente sustentadas;

─ Planos Diretores ecológicos, que levem em conta o uso social do solo urbano e o conceito de pegada ecológica (1).


5) Transporte

─ Transporte coletivo rápido e não-poluente, com combustíveis renováveis;

─ Recuperar as malhas ferroviárias urbanas, retomando os ramais abandonados pelas empresas privadas.


6) Segurança Alimentar e Reforma Agrária Ecológica

─ Criar pólos agroflorestais em torno das grandes regiões metropolitanas, com prioridade para reassentamento de ex-agricultores habitantes das suas periferias;

─ Estimular a compra, nas instituições públicas, de produtos da agricultura ecológica familiar.


7) Transgênicos e Biodiversidade

─ Aplicar a lei que identifica produtos que utilizam transgênicos;

─ Proibir a compra, pelas instituições públicas, destes alimentos;

─ Combater o tráfico de animais silvestres.


(1) Pegada ecológica é a tradução de ecological footprint e refere-se à quantidade de terra e água necessária para sustentar as gerações atuais, tendo em conta todos os recursos materiais e energéticos gastos por uma determinada população. (fonte: Wikipedia)


Paulo Piramba é filiado ao PSOL no Rio de Janeiro (RJ).